Last Updated on: 15th maio 2021, 10:24 am

Não é de hoje que o desejo de reconexão com os fazeres manuais começou a ganhar espaço no dia a dia das pessoas. Se por um lado a correria e o estresse são lugares-comuns, por outro, muitos de nós procuram desviar dessa lógica, valorizando, por exemplo, as práticas artesanais como forma de relaxar a mente. Com a quarentena, muita gente se viu obrigada a fazer uma parada forçada, abrindo também espaço para novas atividades dentro de casa. Pensando nisso, decidimos explorar esse universo de possibilidades falando sobre diferentes técnicas manuais aqui no blog. Que tal se inspirar e começar algo novo também? 

Se você acompanha as casas que publicamos por aqui, com certeza já reparou nos bordados lindos que frequentemente aparecem pelas paredes dos quartos e salas de estar. Com uma delicadeza única – fruto de um trabalho manual e cuidadoso – essas peças são um sucesso na decoração, mas o que muitos não sabem é que o processo de confecção é igualmente especial e inspirador. Para a artista têxtil Flávia Lhacer, professora de bordado há cerca de 7 anos, esse ofício se relaciona com o ritmo em que leva a vida, além de possibilitar um olhar atento para dentro de si. Se você também é apaixonado por bordados ou está pensando em aprender a técnica, não deixe de conferir o papo que tivemos com ela e com sua aluna Ligia Cellani.

Olhar de especialista

Conte um pouco sobre você e como entrou nesse mundo do bordado:

Flávia: Aprendi a bordar com minha tia Sônia e minha avó Cláudia. As mulheres da minha família sempre teceram juntas e cresci assim. Retomei a prática na Faculdade de Artes Plásticas e, mais pra frente, com amigas, nos reunindo para trocar conhecimentos sobre os fios. Essa foi a técnica que escolhi para mostrar como vejo o mundo e me expressar. Também sou professora de bordado livre desde 2013, quando comecei a dar aulas na Novelaria, uma loja e escola muito charmosa em Pinheiros. Na sequência, fui para o Sesc Pompéia, onde ainda dou aulas, e hoje também monto turmas aqui em casa, para bordarmos nossas histórias. Atualmente com a pandemia, estou trabalhando pelo Zoom e tem sido maravilhoso.

Na sua opinião, o que torna o bordado tão especial? O que te encanta nessa atividade?

Flávia: Acredito que ele é uma representação do tempo. Entre as artes manuais, acho que o bordado é a técnica mais lenta e eu adoro isso. Ele sempre me faz frear e olhar com cuidado. Ele pede isso. Nesse momento, onde a comunicação é muito rápida, vários apps abertos, onde fazemos 10 coisas ao mesmo tempo, o bordado anda na contramão. Quando bordamos, olhamos pra dentro da gente: o bastidor vira um espelhinho e vemos como lidamos com os erros que ali se apresentam, como combinamos as cores e texturas, qual é o objetivo dele ou se é a caminhada que mais importa. Ainda sobre o tempo, adoro que nos pontos do bordado está o registro do momento que estamos vivendo. Olho para algum trabalho meu e sei o que estava se passando ali. Isso é muito especial.

Qual o seu conselho para quem quer começar a atividade durante o isolamento? É possível encontrar os materiais com facilidade online?

Flávia: Se for possível, sugiro fazer aula com alguma professora online. Acho que a guiança nesse momento é muito acolhedora e receber a troca com outros alunos também. A magia dos encontros quando tecemos (mesmo que online) faz o processo ser muito especial. Também adoro bordar sola, digo que é minha meditação rítmica. E se for o caso de ir sozinho no aprendizado, tem bons tutoriais no YouTube para ensinar. E muitos armarinhos estão entregando por delivery ou correio. Não tem nenhum empecilho para conseguir material na quarentena.

O que é essencial para começar a bordar?

Flávia: Essencial para bordar é ter vontade. Alguns dizem: ‘Ahhh, não tenho paciência’. Acho que paciência vem junto com a vontade de bordar. Ela vai crescendo junto com o trabalho que estamos fazendo e cada vez nos tornando mais pacientes e dedicados. E claro, os materiais.

Dicas importantes:

Precisa saber desenhar bem?

Flávia: Não precisa. Claro que ajuda, mas não é necessário. Minha avó nunca desenhou e é uma grande bordadeira.

Como passar para o tecido a ideia inicial?

Flávia: Para passar o desenho para o tecido, costumo usar minha mesa de luz freestyle, que é a janela com sol. Colo o desenho com fita crepe, colo o tecido em cima e passo com uma caneta que adoro, que é a Pilot Frixon. Depois de bordar, ela sai com o ferro de passar ou secador.

Existe algum ponto mais fácil para os iniciantes?

Flávia: Pra mim, o mais simples é o ponto atrás. Ele é um ponto de contorno que dá pra explorar muitos desenhos.

Você tem alguma dica de lugares para comprar os materiais necessários? 

  • Bazar Horizonte: tem de tudo a um preço bom para qualquer manualidade.
  • Bordado Studio: Também gosto dessa lojinha, que é de uma ex-aluna minha. É cheia de fofuras e mimos gostosos te ter.

Olhar de iniciante

Para dar o empurrãozinho final para quem está pensando em começar a bordar, nada como a perspectiva de alguém que também é nova nesse universo, por isso conversamos com a Ligia Cellani, uma das alunas da Flávia, que optou pelas aulas online durante a quarentena!

O que fez você se interessar pelo bordado? Teve alguma relação com a quarentena?

Ligia: Há algum tempo tenho tido contato com trabalhos manuais e aprender a bordar fazia parte de planos futuros. No entanto, com a quarentena surgiu a oportunidade das aulas online com a Flávia Lhacer, a quem eu já admirava e acompanhava pelo Instagram. 

Conte como foi a sua experiência tendo aulas com a Flávia:

Ligia: A cada encontro eu aprendo diferentes pontos de bordado, faço aulas com exercícios criativos e a Flávia também me orienta quanto aos pontos mais adequados ao trabalho que quero realizar, acompanhando todo o processo. Aprendo sobre materiais, sobre como o bordado pode ser uma metáfora da vida com seus erros, acertos e estratégias, e aprendo com as outras pessoas que ali também estão, alunas e alunos, reunidos por uma prática tão antiga, conversando entre agulhas e linhas, transformando uma vivência de telas em proximidade humana.

Qual foi o maior desafio nesse aprendizado?

Ligia: Durante as aulas eu percebi que bordar é mais fácil do que eu pensava, ainda que alguns pontos me exigissem recomeços, eles vinham acompanhados daquela sensação tão poderosa de ter conseguido. Além disso, foram ensinados com muito bom humor e leveza, Flávia repete pacientemente até o ponto se concretizar. 

Algo te surpreendeu (em facilidade ou dificuldade)?

Ligia: Saber o quão significativo é o trabalho manual, o quanto minha concentração, persistência, paciência e a realização de algo feito por minhas mãos importa e transforma, me era, de certo modo, familiar, porém o bordado neste momento de isolamento social teve o papel de ancorar a cada ponto um pensamento solto, um sentimento torto, uma emoção desajeitada.

O que você diria para quem precisa daquele empurrãozinho para começar?

Ligia: Já disse a mim mesma que deveria ter começado a bordar antes! Porém, se para tudo existe um tempo, o de aprender a bordar chegou no momento apropriado e não podia ter sido com uma professora mais querida. Há meses rodeada pelas paredes da minha casa, por meus objetos ao longo do tempo reunidos, vejo agora todos os dias entre eles um ainda mais especial, pois desde o início fui eu quem o fiz, das agulhas necessárias, das cores escolhidas, do tecido riscado, de minhas mãos nasceu. É um bordado que conta um pouquinho de mim, sua história é também a minha.

Texto por Yasmin Toledo | Fotos por Isadora Fabian e acervo pessoal Flávia Lhacer