Last Updated on: 15th maio 2021, 10:50 am

Sempre ressaltamos a importância de explorar a casa e tudo o que ela tem a oferecer, então que tal enxergarmos a cozinha com um olhar diferente? Na correria do dia a dia, é comum que o fogão fique de lado, substituído pela praticidade de comer fora ou pelas infinitas opções de delivery. É por isso mesmo que a matéria de hoje é um convite para explorar todo o potencial culinário que você talvez nem saiba que possui, e, de quebra, repensar a relação entre a comida, os hábitos, a saúde e o planeta. Afinal, a história do nosso alimento começa bem antes do prato, com seu cultivo, e se estende com o descarte, as embalagens e por aí vai.

Para abordar esse assunto, convidamos a Juliana Gomes, criadora do blog Comida Saudável pra Todos e podcaster no Jornal do Veneno. Juliana é jornalista, catarinense e mestre em educação, mas também se identifica como a louca dos gatos e plantas, adepta a saudar a mandioca, e alguém que chama ‘bowl’ de cumbuca e só come carne se for de caju. Em seu blog, podemos encontrar desde muitas dicas para simplificar a culinária, como receitas rápidas e baratas, até reflexões importantes sobre tudo o que envolve a alimentação saudável para além do prato. Vem conferir esse papo:

A ideia dessa matéria é ser um convite para que os leitores explorem mais a cozinha, e de forma mais consciente 🙂 Como você faria esse convite?

Juliana: Eu diria o que gostaria que alguém tivesse me dito antes, quando eu vivia de miojo ou achava que achocolatado light com leite desnatado era a coisa mais saudável do mundo. Cozinhar não é uma escolha, como pintar a parede de azul ou amarelo, fazer aula de yoga ou crossfit. É uma tarefa obrigatória pra nos manter vivos. Se você não cozinha, outra pessoa cozinha e toma as decisões por você. Pode ser um cozinheiro trabalhando em condições insalubres; pode ser a sua esposa, sobrecarregada e exausta; pode ser a grande indústria, que te vende mentiras embaladas em pacotes. Cozinhar é sobre liberdade e poder de escolha.

Como a alimentação saudável se tornou um assunto tão importante em sua vida?

Juliana: Foi um processo. O Comida Saudável pra Todos começou como um blog de receitas veganas de até R$10,00 porque eu estava desempregada. Ainda nem era vegana, mas já flertava com o movimento, e me incomodava muito o fato de as pessoas associarem os vegetais a algo sem graça, sem sabor, sem textura. Ou acharem que a culinária vegetal é ricota de macadâmia preparada por monges tibetanos na lua cheia, sabe? Aí fui estudando. Comecei a enxergar as tretas que envolvem o nosso sistema alimentar. E descobri que a gente é muito enganado pelos modismos, pelo marketing dos alimentos ultraprocessados, pela indústria dos lácteos, que patrocina muitos estudos e eventos da área da saúde, por exemplo. E fui fazendo os links, que começaram lá na colonização europeia, com alimentos e hábitos que a gente chama de “culturais’, mas na verdade importamos de outros países.

O que significa ter uma alimentação saudável? Esse conceito ‘saudável’ se limita ao prato?

Juliana: Eu vou te responder com mais perguntas, tá? Se o tomate que está ali na tua salada, no molho do macarrão, na pizza, enfim, foi plantado por um agricultor que foi hospitalizado várias vezes por intoxicação no uso de agrotóxicos, você pode dizer que seu prato é saudável? Se o salmão do seu sushi foi criado em cativeiro, entupido de hormônios pra mudar de sexo e crescer mais rápido, alimentado com soja transgênica, a gente pode dizer que essa comida faz bem, é leve, traz saúde? Se o entregador que te levou um hambúrguer artesanal pedala 6 km pra ganhar R$ 2,00 e não pode se dar ao luxo de ficar doente, você pode chamar esse hambúrguer de saudável? Pra mim, não. É óbvio que vivemos num sistema que nos impõe mil contradições, né? As pessoas, muitas vezes, nem têm poder de escolha sobre o que comem. Mas a gente pode fazer bem mais do que imagina. E outra coisa: não existe isso de uma única refeição ser classificada como super saudável ou “tranqueira”. Existe alimentação como um todo, um conjunto de refeições. Essa obsessão pelo prato mais “saudável” possível estimula o desenvolvimento de transtornos alimentares, apaga a nossa cultura alimentar, reduz os alimentos apenas a nutrientes.

Existe a ideia de que para comer bem, é preciso gastar muito dinheiro. Isso é verdade?

Juliana: Todas as receitas do meu blog estão aí pra comprovar que não! Feijão, arroz, couve, farinha de mandioca, banana, coco, cenoura, chuchu… são muito acessíveis. Agora, comer “bem” também inclui outras coisas, que nem todo mundo tem acesso, como os alimentos orgânicos, mas há alguns mitos aí. Enquanto várias nutricionistas com milhões de seguidores no Instagram repetem sem parar que “orgânico é caro”, as periferias tão se mobilizando pra construir hortas comunitárias. Os assentamentos e comunidades quilombolas não param de fazer doações de alimentos sem veneno agora na pandemia. A gente também pode consumir os vegetais regionais e da época, que costumam dar mais fácil e exigir menos agrotóxicos. Há muitas saídas para além dos orgânicos certificados da prateleira do supermercado.

5 atitudes para uma alimentação mais saudável:

  1. Leia rótulos e desconfie das embalagens. Se tiver aromatizantes e coisas que você não sabe o que significa, fuja. Tá escrito “sem lactose”, né? Mas quase sempre é o mesmo leite só que com uma enzima adicionada pra digerir a lactose. Tá escrito “com menos açúcar” naquele pacote de suco? Espia a lista de ingredientes. Se açúcar ainda for o primeiro ou o segundo ingrediente, você está sendo enganado.
  1. Vá no simples. O abacate está aí justamente pros momentos de pouca criatividade, preguiça e pressa. Você pode comer como salada, patê, molho frio para uma massa (com gergelim, gengibre e limão), e guacamole fica pronto mais rapidamente do que pedir comida por aplicativo ou fazer um miojo. Tenha sempre feijão ou outra leguminosa congelados também pra facilitar as refeições da semana.
  1. Prefira as feiras aos supermercados. Agora na pandemia muitos feirantes começaram serviços de entrega de cestas em casa também. Quanto mais próximo de quem cultivou o seu alimento você estiver, mais saudáveis todos nós estaremos. E, pra melhorar, a feira não vende produto ultraprocessado.
  1. Lembre-se que alimentação vai além do prato e do corpo. Procure saber por que os alimentos orgânicos são mais caros que os convencionais (spoiler: os convencionais não pagam impostos); por que um refrigerante custa menos do que um suco de laranja natural; o que está por trás do processo de criação dos animais que você consome, etc. Será que basta que as grandes multinacionais de alimentos adicionem chia nos seus produtos e tornem a embalagem reciclável? Qual o jeito delas de produzir no mundo? Como funcionam? Influenciam as políticas públicas? Informe-se.
  1. Questione os seus hábitos e as suas vontades. Elas vieram de onde? Por exemplo: pizza com guaraná; achocolatado com leite; hambúrguer com batata frita; qualquer coisa recheada com leite ninho e Nutella; não surgiram do nada no seu cérebro, mas da publicidade. Pão com manteiga; filé com batatas; ou assados de aves foram hábitos que a colonização europeia nos impôs e a gente chama de “culturais”. Agora, as heranças alimentícias associadas às culturas indígenas e africanas a gente não valoriza, chama de “comida de pobre”.

O assunto não acaba aqui:

Compartilhamos uma lista de dicas para agilizar a vida na cozinha lá no instagram. Vem conferir!

Texto por Yasmin Toledo