Last Updated on: 15th maio 2021, 11:07 am

Você já parou pra pensar o que te faz comprar uma nova peça de roupa? É, de fato, uma necessidade, ou você muitas vezes se deixa levar por influências externas, como postagens no Instagram, o look bonito de uma amiga ou uma promoção qualquer na vitrine? Já faz um tempo que nós – e o mundo – temos questionado essa relação impulsiva com a moda e como ela gera impactos não apenas para os consumidores, mas para toda a cadeira de produção envolvida e também para o meio ambiente. Sim, é preciso repensar a forma como consumimos moda e nos perguntar: por que, afinal, sentimos tanta necessidade de comprar roupas novas?

Esse questionamento não é novidade para a publicitária e blogueira Joanna Moura, criadora do site Um Ano Sem Zara. Seu blog surgiu em 2011 com a proposta de registrar sua experiência ao passar um ano inteiro sem comprar nenhuma peça de roupa ou acessório. O desafio fez com que Jojo se tornasse bem mais criativa na hora de se vestir e montar combinações usando o que já tinha. Desde então, ela virou uma referência no assunto e vem a cada dia aprofundando sua relação com a moda de forma mais consciente – isso influencia desde a quantidade de peças que consome, como também a preocupação em comprar de marcas autorais ou pequenos produtores.

Convidamos a Jojo a contar um pouco dessa trajetória para nós e também a compartilhar dicas interessantes que podem te ajudar a repensar essa relação com o que você já tem no seu guarda-roupa. Confira a seguir:

Como mudar a forma de consumir moda

Como consumir moda de forma mais consciente?

Jojo: A expressão “consumo consciente” pode significar um monte de coisas. Quando comecei a refletir sobre consumo, o meu problema era que eu comprava muito, comprava por impulso e acabava gastando mais do que devia. Então a minha ideia de consumir de forma mais consciente não tinha nada a ver com o planeta ou com as pessoas trabalhando em situação precária, até porque eu ainda não tinha conhecimento sobre todas essas questões. Naquele momento, eu só queria mesmo parar de me endividar.

Pra mim, comprar de forma mais consciente está diretamente relacionado a esse ponto de partida de cada um. E aí uma coisa vai puxando a outra. É necessário primeiro que a gente faça uma análise de como a gente consome hoje para então conseguir entender se esse padrão reflete aquilo que a gente acha importante.

E aí eu te pergunto: o que é que você acha importante? Sair do cheque especial? Apoiar a economia local? Preservar o meio ambiente? Cuidar das pessoas que estão produzindo aquilo que você compra? Pensar nessas respostas é o primeiro passo para fazer escolhas melhores e consumir de um jeito mais consciente.

Quando você percebeu a necessidade de mudar seus hábitos de consumo na moda? 

Jojo: Eu tinha uma relação exageradamente emocional com o consumo de moda. Comprar uma roupa nova era a minha bengala pra lidar com tudo o que acontecia na minha vida. Se eu estava feliz eu comprava pra celebrar, se eu estava triste eu comprava pra me consolar. Muita emoção e zero razão. Eu comprava por impulso, sem me questionar se eu realmente precisava daquilo, se tinha dinheiro pra comprar ou se aquela peça fazia sentido dentro da minha rotina. O resultado dessa equação é que eu tinha uma conta bancária permanentemente no vermelho, um armário abarrotado de roupas e a eterna sensação de que eu não tinha o que vestir.

Depois de anos vivendo esse ciclo vicioso, eu me peguei cansada de não ter perspectivas, de ver todo mundo ao meu redor conquistando sonhos – de viajar, de fazer um curso legal, de comprar uma casa – e eu presa naquele buraco financeiro. Então, um dia, enquanto eu arrumava aquela zona toda que era o meu armário e me deparando com aquela quantidade de roupas que eu nunca tinha usado, percebi que a solução para o meu problema estava ali diante de mim. Parar de gastar e começar a criar uma relação de mais amor com aquilo que eu já tinha.

Como está sendo sua relação de consumo com a moda nesse momento de quarentena?

Jojo: Desde que a quarentena começou, eu não comprei nada novo. Eu vinha de dois anos de muitas mudanças no meu corpo e na minha vida – gravidez, amamentação, a nova rotina com uma criança que demanda muito fisicamente, além de emocionalmente. E essas mudanças restringiram muito as possibilidades dentro do meu armário.

Esse tempo em casa me trouxe a chance de voltar a pensar sobre o meu estilo, de exercitar a minha criatividade sem as amarras do mundo exterior (pressões sociais, expectativas do ambiente de trabalho, etc). Estou conseguindo novamente me reconectar com o que eu já tinha no armário, me reencontrando com peças que estavam lá esquecidas e pensando em novas possibilidades de combinações que representam melhor quem eu sou hoje.

Dentro dessa ressignificação da moda, também vemos a ressignificação do mundo da beleza. Como está sendo assumir o cabelo grisalho?

Jojo: Não vou dizer que está sendo libertador porque nunca me senti escrava do meu cabelo tingido. Eu pintava o cabelo porque gostava de mudar. Já tive a minha fase loira, a fase morena, a fase do cabelo curto, do cabelo comprido… hoje estou na minha fase grisalha e estou amando me ver assim.

O que tem sido muito legal é ver que a reação das pessoas com relação a essa escolha está mudando. Enquanto há pouco tempo os meus cabelos brancos causavam estranhamento e me rendiam uma série de comentários não muito agradáveis, agora passei a receber muitas mensagens de apoio. Fico super orgulhosa de ver mais e mais mulheres assumindo os seus cabelos brancos com orgulho, se libertando dos padrões estéticos que oprimem a gente há tanto tempo e simplesmente sendo felizes com quem elas são.

Como ser mãe influencia nas suas novas compras/escolhas?

Jojo: Ser mãe parece que colocou uma lente de aumento em tudo o que eu já achava problemático antes. Coisas que me incomodavam um pouco no passado, hoje me revoltam, me tiram do sério, me fazem chorar. Porque não é mais sobre mim, é sobre o legado que eu vou deixar pra minha filha, sobre o mundo no qual ela vai viver.

Então o meu nível de consciência sobre as minhas ações se expandiu muito, inclusive no que diz respeito às compras. O enxoval dela, por exemplo, foi praticamente inteiro de segunda mão. Herdamos coisas de amigos que já tinham filhos, compramos em lojas de produtos usados cuja renda é revertida pra projetos sociais, reaproveitamos coisas que já tínhamos em casa…

Fora isso, acho que tem a coisa do exemplo também. Eu quero que ela cresça com uma mentalidade menos materialista do que aquela que eu tinha. Quero que ela cuide do que ela tem, mas dê mais valor a experiências do que a coisas, e essa educação precisa partir dos pais, porque ela aprende com as nossas atitudes.

Dicas para aplicar no seu guarda-roupa

Como reinventar peças que a pessoa já tem no guarda-roupa?

Jojo: Conhecer o seu guarda-roupa é essencial. Sugiro tirar um tempo pra fazer aquele raio x caprichado: tirar tudo o que tem lá dentro e depois arrumar tudo de um jeito que você consiga enxergar cada peça. A gente não pensa em usar aquilo que a gente não lembra que tem.

Outra coisa que funciona muito pra mim é criar mini desafios. Por exemplo, passar uma semana montando combinações diferentes usando como base uma mesma peça. No primeiro dia, a gente vai usar aquela peça do jeito mais óbvio, mas a semana vai passando e a gente vai descobrindo novas possibilidades de combinações que nunca tínhamos pensado antes.

Por fim, acho que uma coisa que expandiu muito meus horizontes foi ter parado de separar o meu armário em ocasiões, tipo “roupa de trabalho”, “roupa de fim de semana”, “roupa de sair à noite”. Lógico que tem peças que são mais adequadas pra uma ocasião ou outra, mas de uma forma geral essas são restrições que a gente mesma se coloca e que acabam diminuindo as possibilidades do nosso acervo. Hoje eu junto brilho com jeans pra sair de dia, uso biquini como top com uma calça mais elegante, combino vestido com tênis pra ir pro trabalho… as possibilidades se tornam infinitas.

5 peças curingas pra ter no guarda-roupa. Ou não?

Jojo: Eu não acredito em listas de peças curinga! Acho essa coisa de que todo mundo tem que ter uma camisa social branca, um vestidinho preto ou um escarpin super antiquada. Cada pessoa tem um estilo diferente e rotinas diferentes. Eu trabalho num ambiente super informal e sou uma pessoa bem colorida, qual seria então o sentido de eu ter uma camisa social branca e um vestido preto no meu armário?

Acho que o importante é a gente olhar menos pra fora, menos pras revistas e passarelas, e mais para a nossa rotina, os lugares que a gente frequenta, as coisas que a gente gosta e se sente bem usando. E aí entender como usá-las de jeitos diferentes. Assim a gente vira responsável por criar os nossos próprios curingas.

Que marcas independentes brasileiras você consome e indica?

Jojo: Eu adoro consumir de marcas independentes porque vira e mexe viro amiga das pessoas por trás dessas marcas. A gente se identifica com o estilo, o discurso, o jeito de fazer, e quando vê já virou uma relação afetiva mesmo. Em São Paulo, gosto muito da MyFots, que faz uma moda absolutamente atemporal e muito gostosa de usar. Adoro os sapatos da Botti e da Juliana Bicudo, que são cheios de personalidade. Adoro o trabalho do Isaac Silva, que traz toda sua herança africana e nordestina para suas criações. No Rio, onde eu morei por muito tempo, adoro a Augustana, que tem aquela vibe relax carioca. Também gosto muito do trabalho da Wymann, que tem uma pegada super autoral e sempre muito colorida. A Adô é uma marca de acessórios de BH que eu curto muito. Tô sempre de olho e acho que o Instagram ajuda muito a descobrir essas marcas menores. Recentemente conheci o trabalho da Zâmbia, uma marca de acessórios incrível que eu descobri através de outras pessoas que eu sigo. Agora quero muito expandir os meus horizontes e conhecer mais marcas do Norte e Nordeste do país.