Last Updated on: 18th março 2021, 06:46 pm

“Tudo começou quando, ainda estudante de publicidade, fui a uma exposição de arte popular brasileira, no Instituto Tomie Ohtake, chamada Teimosia da Imaginação”, conta Renan, pesquisador e fundador do projeto Novos para Nós. Nessa época ele ainda não sabia, mas uma sementinha muito especial foi plantada naquele dia: a partir daí, seu gosto pelas expressões artísticas do Brasil apenas aumentaria, a ponto de tomar o lugar de sua então profissão e transformar seu apartamento em um verdadeiro museu de arte popular — e olha que a maior parte da coleção fica na casa de seus pais, no interior!

Desde a visita à exposição, Renan passou a pesquisar artesãos brasileiros durante seu tempo livre, até que, anos depois, programou sua primeira viagem para conhecer um deles pessoalmente, no Vale do Jequitinhonha. “Dirigi 28 horas em um único final de semana para conhecer a ceramista Noemisa Batista dos Santos. A experiência foi tão transformadora que repeti no mês seguinte. Depois escolhi outro lugar do país e, aos poucos, fui conhecendo a maioria dos Estados e dos nossos artistas”, diz o morador. Quando se deu conta, o movimento em busca de artesãos era mais significativo do que seu emprego como publicitário, e foi assim que ele decidiu abandonar a carreira como diretor de arte para conhecer e celebrar o trabalho de artistas populares Brasil adentro.

Com início em outubro de 2017, o projeto Novos Para Nós já narrou até hoje centenas de histórias de artesãos e percorreu 20 estados celebrando a produção nacional. Todo o conteúdo do projeto é pautado em dois aspectos: “Falo sobre a questão estética e conceitual das criações e também dos aspectos pessoais de cada artesão. Acredito que, quando ouvimos e estudamos suas vidas, conseguimos compreender mais sobre o que está sendo produzido, sobre aquela determinada região do País, sobre traços culturais específicos, manifestações, gerações, cotidianos, entre outros”, conta Renan.

Com esse trabalho de percorrer o país todo, o apê do Renan acaba sendo sua morada apenas quando ele está em São Paulo, o que não significa que não seja repleto de histórias e significados. Como o morador não precisa de muito espaço, a metragem é pequena, mas suficiente para todas as suas necessidades. “Gosto de ler e escrever e, para isso, preciso só de uma mesinha na sala. Ela acaba servindo também para as refeições, mas esta última utilidade eu praticamente dispenso, pois gosto mesmo é de comer como alguns bons brasileiros que conheço: com o prato no colo!”, Renan fala.

Com poucos móveis, o lar acaba tendo mais lugar para o que realmente importa: muitas obras de arte. Para aproveitar bem cada cômodo, o morador não poupa pregos e prateleiras, preenchendo as paredes de ponta a ponta. “A parede em cima da mesa da sala, com as peças da Noemisa, é resultado de dezenas de viagens para o Vale do Jequitinhonha e para o Brasil atrás de outros colecionadores. Essa busca se deu após ela me contar que seu grande sonho de vida era ter casado e tido filhos. Isso nunca aconteceu, mas ela deu um jeito de viver através do barro, criando um mundo idealizado e próximo do que considera bonito”, lembra o morador.

Renan não tem dúvidas de que a cultura popular é um enorme tesouro por trazer à tona questões muito expressivas sobre identidade. “São artistas que produzem a partir do zero, sem nenhuma instrução prévia e de forma espontânea. Fazem isso porque algo que está dentro deles precisa sair, ser externalizado. É aí que obras com estéticas singulares aparecem carregadas de simbologias”, conta o pesquisador. Em sua casa, cada cantinho contribui para que ele investigue até mesmo a si próprio, através da sensibilidade dos artistas. No quarto, por exemplo, um conjunto de foto-pinturas assinadas por Sr. Abdon retrata o morador com as mais diversas personalidades do sertão cearense: Lampião, Padre Cícero, Jesus, entre outros. “Em todas elas sou eu e, quando olho para os retratos, vejo os fragmentos de mim que existem”, completa.

Aos que se perguntam quantas histórias podem caber em um só lar, Renan é um exemplo de que para isso não há limite algum: “Sinto que cabem todas as que os moradores conseguem viver”, diz. Em seu apê, sempre que ele olha para alguma obra, se lembra dos quilômetros rodados até chegar ao artista, das vivências que teve através desse contato e de como a peça o faz se sentir, por isso as memórias estão por todos os lados. Mas, além disso, há outro fator importante para que Renan se sinta em um verdadeiro lar: o descompromisso com a perfeição.

“Há alguns anos, aprendi o conceito do ‘bom o suficiente’ desenvolvido pelo psicanalista Donald Winnicott. Ele diz que perdemos muito tempo tentando ser o melhor em tudo – o melhor amigo do mundo, o melhor filho, namorado, companheiro, aluno e tantos outros fardos. Quando nos damos conta, esquecemos do verdadeiro propósito de toda a jornada: o que nos propusemos inicialmente a ser. No caso da minha casa, ela é um lar quando eu trago as coisas que realmente importam pra mim e que me trazem a sensação de aconchego. Talvez pudesse ter dado soluções arquitetônicas mais pertinentes ou não me ater ao possível ‘brega’ que essa decoração sugere, mas aqui tudo funciona porque não quero ser o melhor. Quero que seja ‘bom o suficiente’ – isto é, que me traga memórias”.

Texto por Yasmin Toledo | Fotos por Felco