Last Updated on: 15th maio 2021, 12:04 pm

A casa é muito mais do que o lugar em que moramos. É onde nos conectamos com nossa família e amigos; onde contamos nossa história por meio dos objetos; onde podemos descobrir novos hobbies e também um jeito diferente de lidar com o tempo. É onde a vida acontece – agora mais do que nunca. E já que nosso lar é um universo tão amplo, falar apenas de decoração não faz tanto sentido, por isso criamos essa coluna para abordar o morar com um novo olhar, pensando em tudo o que podemos fazer para conquistar mais bem-estar. Vamos ficar em casa?

Para estrear essa série de conteúdos especiais, vamos começar falando de um assunto que amamos (e vocês também): plantas. Nada melhor para tranquilizar a mente e desconectar do mundo virtual do que tirar um tempinho na rotina para nos dedicar ao cuidado delas. Entender e celebrar o tempo que cada espécie leva para gerar uma nova folha ou para um cacto crescer nos afasta da correria típica do dia a dia – e que bom poder fazer essa pausa! Mas em época de isolamento social e comércios fechados, como podemos ampliar a urban jungle sem comprar novas plantas?

O Anderson Santos (@anderson_bio), biólogo, botânico e um dos criadores da Escola de Botânica, tem a resposta: fazer novas mudas com plantas que já temos em casa. Quer saber como? Então confira abaixo as dicas super completas que ele compartilhou com a gente. Quem sabe você fica tão expert em mudas que vai até poder doar plantinhas para os vizinhos?

Entendendo o caule para saber onde cortar

Para começar, podemos fazer um breve estudo sobre o caule: ele é a estrutura ou órgão de sustentação, geralmente da parte aérea de uma planta. Algumas possuem caule subterrâneo, como é o caso do gengibre, porém a maioria das espécies que são comumente cultivadas no ambiente doméstico possuem caule externo ao solo, facilitando muito sua propagação a partir da produção de mudas. A ilustração abaixo mostra o eixo central do caule típico de uma planta cultivada em casa, e é importante entendermos suas partes para conseguir fazer as mudas.

  • Nós: zonas que promovem o crescimento de novas partes do caule. De um nó pode surgir uma folha, uma flor ou um ramo. Os nós são formados por um conjunto de células diferenciadas do corpo de uma planta, as chamadas células do meristema ou tecido meristemático. Se fizermos uma analogia com os humanos, essas células são similares às células-tronco, capazes de se diferenciar em outras para formar novos tecidos e partes do corpo. Elas nos interessam muito na hora de produzir mudas 🙂
  • Entrenós: espaços de intervalo entre um nó e outro. O preenchimento do entrenó é dado por um conjunto de células especializadas em sustentação do ramo ou da planta e geralmente essas células não são capazes de formar novas estruturas. São diferentes das células dos nós.
  • Gemas: novas partes em crescimento no caule. Quando vistas de perto, as gemas têm uma cor diferenciada, pois já são mini folhas, mini flores ou mini ramos no início do desenvolvimento.

Fazendo uma muda

Qual o ramo? Para fazer uma muda, precisamos remover da planta matriz uma parte que contenha entrenós e nós. Para que a planta matriz não seja danificada, sugiro cortar a ponta dos ramos mais longos.

Onde fazer o corte? O corte precisa ser feito no entrenó, assim o nó poderá ser colocado em contato com a água ou com a terra para gerar raiz. Funciona da seguinte forma: um nó que está no meio de um caule, se for estimulado, pode dar origem a novas partes de acordo com a necessidade da planta. Ou seja, se você corta uma parte da planta que contém o nó e a coloca em contato com a água ou a terra, esse nó provavelmente vai estimular as células do meristema a produzirem raiz. Mas é importante sempre cortar um ramo que contenha alguns nós, e não apenas um. Quanto mais nós presentes no ramo, maior garantia de a muda se dar bem.

O que remover depois do corte? Se você cortou o ramo de uma planta e o nó contém folhas, remova as folhas que entrarão em contato com a água ou solo, puxando com a mão mesmo, deixando apenas o nó em evidência. Se as folhas ficarem por ali, o caule não irá produzir raiz. Quando a gente remove a folha, a planta fica tentando achar caminhos para gerar uma nova parte, pois é essa a função do nó.

Onde colocar a planta para enraizar? Apesar de parecer fácil, não existe uma única receita para isso. São duas possibilidades: na terra (caso você tenha terra sobrando em casa) ou direto na água. Um grande número de plantas consegue enraizar em contato com a água, mas algumas precisam de terra mesmo, como no caso das suculentas.

Enraizando direto na água

Que plantas podem viver bem na água? Elas podem ser uma alternativa para quem não tem terra sobrando e não consegue comprar mais nesse momento. Dentre as plantas comumente cultivadas em casa, as guerreiras da água são as da família botânica Araceae: jiboias (Epipremnum spp. e Philodendron spp.), filodendros (Philodendron spp.), costelas-de-adão (Monstera deliciosa) e comigo-ninguém-pode (Dieffenbachia spp.). Plantas como espada-de-são-jorge (Dracena trifasciata) e outras espécies de dracena, como o bambu-da-sorte (Dracaena sanderiana), também têm mudas que se desenvolvem bem na água. É importante ressaltar que não são plantas aquáticas e, apesar de resistirem um bom tempo enraizadas na água, elas devem ser replantadas para um solo fértil eventualmente. Algumas espécies toleram viver meses em água, porém ficam longe de atingir o seu potencial máximo de desenvolvimento.

Tome cuidado na hora de plantar sua muda enraizada na água: Quando sua muda produzir raízes e se você tiver terra, plante! Ela vai se desenvolver muito melhor no solo do que na água, mas tome cuidado na hora de fazer o plantio. As células das raízes que se desenvolvem na água são extremamente delicadas, visto que sempre estiveram em ambiente líquido. Lembre-se que agora serão apertadas pelo solo que entrará em contato com sua superfície. É muito comum que, no plantio de uma muda enraizada na água, a planta já perca parte das raízes pelo impacto e pressão do solo. Para que isso não aconteça, vai uma dica: antes de plantar a muda enraizada, deixe-a fora da água por algumas horas para dar uma ressecada. Como aqui estamos falando de uma variedade muito grande de possibilidades e espécies, considere deixar sua muda cerca de 6 horas fora da água para poder replantá-la. Assim as raízes ganham um pouco de resistência estrutural antes de receber o impacto do solo.

Como fazer mudas de outros tipos de plantas

Suculentas: As suculentas são super fáceis de propagar. Uma folhinha é suficiente para fazer uma muda. O grande lance é que, quando a gente tira uma folha, puxando com a mão, vem junto dela e bem na pontinha, um conjuntinho de células do meristema. Para fazer a muda é simples: coloque essa parte onde ficou a cicatriz da remoção em contato com um solo arenoso (terra e areia em proporções iguais). É só apoiar a folha na terra e não se deve enterrar, pois ela apodrece se for enterrada. Dá pra fazer um berçário e um único e pequeno vaso matriz pode ser suficiente para fazer muitas e muitas mudas. Para regar, tem que evitar molhar a folhinha, colocando água apenas no solo, umas três vezes por semana nessa época do ano. Tem que ficar sempre úmido nessa fase de enraizamento, mas não pode ficar encharcado. Depois de alguns dias se formam as raízes, a planta se fixa no solo e a folhinha que ali foi depositada começa a se degradar, enquanto a nova plantinha vai crescendo.

Cactos: Cada parte de um cacto é denominada pela Botânica como cladódio. Os cladódios são as “orelhinhas” no caso do cacto-orelha-de-coelho, por exemplo. Se o cacto for daqueles espinhosos, e com os cladódios bem demarcados, é simples fazer mudas. Basta remover um segmento do cladódio (tirar uma orelhinha) e colocá-la em contato com um solo muito arenoso (duas partes ou três partes de areia para uma parte de terra). Sobre as regas, dá pra molhar uma vez a cada 7 ou 10 dias na fase de enraizamento e apenas o solo. Cada espécie tem características, às vezes, bem específicas, mas vale testar. Lembro aqui que são plantas, geralmente de crescimento lento, então vai ter que trabalhar a paciência para ver sua planta enraizar e crescer.

Há um grupo de plantas que cultivamos em casa e que, apesar de não serem comumente tratadas como cactos, fazem parte da família botânica Cactaceae: ripsális (Rhipsalis spp., Lepismium spp., Pseudorhipsalis spp.), flor-de-maio (Schlumbergera truncata), flor-de-outubro (Hatiora rosea) e flor-da-lua ou dama-da-noite (Epiphyllum oxipetalum) e as ratioras (Hatiora spp.). A principal característica desse grande grupo de plantas é não apresentar espinhos evidentes, pois eles estão reduzidos em pelos presentes ao longo do caule da planta. Quase todas essas espécies são plantas que habitam ambientes naturais úmidos. Da mesma forma que os cactos que têm espinhos, seu corpo é formado por vários segmentos. Entre um segmento e outro estão localizados os nós e para fazer mudas o procedimento é o mesmo da suculenta: remova a extremidade de um ramo ou alguns segmentos conectados e coloque em contato diretamente com a terra ou substrato, enterrando um pedacinho da planta. Mantenha a terra úmida regando três vezes por semana nessa época do ano.

Marantas: As marantas brotam e brotam. Elas têm um sistema natural de brotação que constantemente produz novas mudas ao lado da planta mais antiga do vaso. Remova as mudinhas com o auxílio de alguma ferramenta, tirando toda a planta incluindo a raiz, e transplante-as para outro vaso.

Begônias: As begônias brotam bastante também e, assim como nas marantas, remova as novas mudas do lado da planta matriz e replante em outros vasos. Algumas espécies de begônias permitem que mudas sejam formadas a partir de apenas uma folha. Para isso, remova a folha puxando delicadamente da base da planta para tentar tirar um pedacinho das células do nó (onde têm as células meristemáticas) e basta colocar na água ou na terra. As raízes aparecem em poucos dias, mas nem todas as espécies dão resposta positiva ao enraizamento através de folhas.

Bromélias: Toda vez que uma bromélia floresce, um anúncio é dado: a planta está se aproximando do ciclo final de sua vida. Uma bromélia produz flores apenas uma vez na vida e, sim, logo depois ela vai morrer. Mas fique tranquila(o) pois esse processo natural pode levar até anos para acontecer. Depois da floração, as bromélias geram brotos laterais para garantir a permanência da espécie, então o indivíduo adulto gera um brotinho. Mantenha o broto fixado na planta matriz até que tenha mais de 10 folhas formadas. Para transplantar é necessário fazer um corte bem próximo a base.

Samambaias: A maioria das samambaias que cultivamos em casa são plantas que, ao contrário das outras, têm um caule que cresce horizontalmente na superfície dos vasos. Sabe aquela estrutura peludinha que fica sobre os vasos das samambaias? É esse o caule! Cada ponto de onde sai uma folha é um nó e para fazer uma muda conte de três a 5 nós e então faça um corte na planta. É importante remover essa parte com as raízes que são bem delicadas e ficam dentro do vaso. Replante em um novo vaso.

Amou as dicas e vai começar a criar suas mudinhas? Então depois manda foto pra vermos como elas estão ficando!

Fotos por Gisele Rampazzo; Felco; Rafaela Paoli; Ricardo Faiani; Maura Mello e Isadora Fabian | acervo Histórias de Casa