Last Updated on: 15th maio 2021, 07:33 pm

Uma casa e todas as memórias que ela guarda não podem ser resumidas de uma vez só, então por aqui fazemos diferente. Ao invés de concentrar todos os detalhes e fotos em uma única matéria, criamos pequenos capítulos para que você possa curtir essa visita durante vários dias. É só acompanhar a ordem pelo título dos posts e apreciar o passeio sem se preocupar com o relógio. 

O respiro do pé-direito alto, a luz sombreada das árvores no chão da sala, o piso de madeira com marcas do tempo, a relação com a natureza do entorno… essas pequenas sutilezas despertam o olhar (e o interesse) de quem entra na casa de Lucas. Isso sem falar nas obras de arte, é claro – e seria difícil não as notar, pois estão por todos os lados. O sobrado com fachada azul e janelas de madeira até lembra uma casinha no interior, mas na verdade fica em uma vila meio escondida no Jardim Paulistano, onde o morador encontrou sossego e espaço para sua coleção.

Lucas conta que seu interesse pela casa começou com a vila. A entrada colonial com azulejaria portuguesa, o paisagismo fechando um corredor verde e as árvores enormes originais do bairro foram motivo suficiente para que ele se encantasse pelo lugar. Além disso, ele acredita que as relações que se desenvolvem em uma vila são mais abertas, próximas e coletivas. Em relação à casa, a primeira coisa que chamou sua atenção foi a integração entre os ambientes e a iluminação generosa, algo um tanto incomum em sobrados desse tipo, que costumam ser mais escuros.

Quando Lucas se mudou, a casa já estava configurada dessa forma, então ele não precisou reformar os ambientes, apenas os preencheu com memórias e peças com boas histórias. “Não me preocupo com o diálogo entre os diferentes objetos, tenho aquilo que me agrada, seja pela estética ou pela minha relação histórica/afetiva”, ele diz. Mesmo sem essa preocupação ou rigidez, o morador conseguiu compor os espaços com harmonia e ainda destacar os itens que falam mais alto ao coração, como os trabalhos da artista Sofia Borges, uma grande amiga dele, ou uma xilografia do Samico, artista de Recife, onde sua mãe nasceu e onde passou boa parte da infância.

“Entendo a casa de certa forma como um espaço de representação identitária. Não me interesso por uma decoração minimalista, muito menos concebida por terceiros, ao contrário, me atrai a memória afetiva ou histórica que certos objetos carregam. Busco, de modo quase inconsciente, construir um lugar pessoal e acolhedor através do meu conjunto de vivências e interesses”, ele explica. De alguma maneira isso emerge na casa em obras de arte trazidas de viagens ao Irã ou México, ou representações da cultura material brasileira presentes em ex-votos, obras com referências de cordel ou até mesmo no paisagismo, como a bananeira no quintal.

A relação de Lucas com a arte começou ainda na infância. Em parte, por influência de sua avó, uma pintora e ceramista que obteve certo reconhecimento com trabalhos desenvolvidos em conjunto com o artista Fulvio Pennachi. Os pais de Lucas são arquitetos, então também o introduziram ao meio artístico desde cedo. Ele chegou a estudar pintura e história da arte em cursos livres, mas fez carreira no mercado financeiro, até que um dia decidiu tirar um período sabático e viajar pelo mundo. Foi nessa época que seu interesse se intensificou. “Nunca desejei bens de consumo típicos, como carros, por exemplo. Durante uma passagem pela Itália, visitei alguns ateliers de artistas contemporâneos e me dei conta que o colecionismo pode servir como instrumento pessoal para construção de um pensamento crítico. Desde então, a ideia de colecionar passou a me interessar, nem tanto em uma dimensão fetichista da relação com a obra ou artista, mas sim como potencialidade de desenvolvimento subjetivo”.

A casa de Lucas traz a arte inserida no dia a dia. Sem grandes pretensões, porém com muito significado. São escolhas pessoais – e não apenas nas obras, mas também nos móveis antigos, no tapete estampado, nos objetos guardados há tempos e até nas plantas, que crescem livres e por vezes tomam conta. Uma casa com identidade, disso não restam dúvidas. * Quer saber mais? A história continua no Capítulo 2, então fique de olho!

Fotos por Gisele Rampazzo

CONTINUA